(Publicado originalmente na edição 201 da Revista RI - Relações com Investidores)
GOVERNANÇA PÚBLICA
NAS MINICIDADES BRASILEIRAS
Contando, ninguém
acredita. Mas eu provo. Se você acessar o endereço:www.santiagodosul.sc.gov.br, terá a Prestação de Contas
Anual de um município com exatos 1.389 habitantes e 1.373 eleitores, cuja
receita de IPTU chegou aos R$ 50.701,96, e cujo ISS cobrado dos comerciantes e
prestadores de serviços foi de R$ 71.680,59 (dados de 2014). E que, não
obstante, tem uma folha de pagamento de R$ 323.430,00 mensais, e uma
remuneração - de outra verba - a nove vereadores, que atinge a R$ 22.688,50
mensais. É uma situação que se repete em 2.473 municípios brasileiros, que têm
menos de 10 mil viventes morando em suas casas. A prestação de contas se resume
a um exageradamente minucioso relatório do Tribunal de Contas do Estado, com 51
páginas, com detalhes que ficariam bem numa cidade de meio milhão de
habitantes. Jamais numa cidade que é pouco mais que um condomínio. Você precisa
ver para crer (o município é pequeno e bem administrado, mas é obrigado a
prestar as informações que estão no documento).
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Exatos 4.443
municípios brasileiros - com população de 47.076.027 seres humanos - podem ser
chamados de minicidades, com menos de 30 mil habitantes (podendo chegar a ser
como Borá ou Serra da Saudade, dois municípios com 834 e 825 pessoas vivendo
neles). Deveriam ser cidades de administração muito simples. No entanto,
obrigam-se a manter estruturas política e administrativa mais complexas do que
qualquer uma das 17 metrópoles com mais de um milhão de viventes. Mesmo quando
não têm nenhuma relevância econômica.
É evidente que há
pesados interesses eleitorais nas áreas federal e estadual, e não há qualquer
interesse político em racionalizar a administração destas cidades. Muito ao
contrário, o Congresso Nacional e as assembleias estaduais querem mesmo é
aumentar o número de estados e de pequenas cidades em todos eles. Porque é nas
cidades que se produz o voto.
Quanto gastam essas
estruturas políticas, que custarão uma imensidão de dinheiro este ano, para
trocar suas 5.570 administrações, suas dezenas de milhares de secretarias
municipais, seus 42.241 parlamentares (70% do total nacional, um vereador para
cada 898 habitantes), num total maior que 100 mil pessoas? Ninguém sabe, são
valores inestimáveis. Mas essa troca de pessoas custa mais que dinheiro: custa
adaptar as vidas dos habitantes a novos senhores, mesmo quando os antigos se
reelegem. Da troca surgem novos planos de obras, novas iniciativas nas áreas de
educação e saúde, comissionando aliados em cargos de chefia quase sempre
orientados para as próximas eleições. Como elas se repetem a cada quatro anos,
a questão se eterniza.
Todas estas
minicidades têm prefeito, vice-prefeito, chefe de gabinete (um vício de todo
executivo público que manda alguma coisa), médias de sete secretários
municipais e dez vereadores. Dez pessoas com crachá de chefe e dez pessoas com
crachá de parlamentar. Além, claro, de um assessor jurídico e um de imprensa,
no mínimo. Se as quantidades de gente parecem adequadas para cidades maiores,
elas são um exagero flagrante para estas minicidades.
E como custam caro
essas pessoas! Com os encargos trabalhistas incluídos na conta (porque os
mandatos são tidos como empregos), são mais de R$ 3 milhões anuais por cidade,
ou R$ 15 bilhões no total anual, para funções que podem ser acumuladas, ou exercidas
por funcionários comuns, dirigidos por um gerente geral (que poderia ser o tal
“chefe de gabinete”?).
No resto do mundo – alguém conhecerá uma exceção? – a vereança não tem a pompa-e-circunstância que existe no Brasil. Os Conselhos Municipais são modestos, e quase sempre voluntários. Por isso, cabe ainda abrir a discussão sobre se os 42 mil vereadores dessas minicidades deveriam ter direito a qualquer tipo de provento, já que sua contribuição às administrações municipais não passa de uma sessão plenária semanal, quase sempre à noite, e eles continuam exercendo suas atividades particulares durante todo o mandato.
No resto do mundo – alguém conhecerá uma exceção? – a vereança não tem a pompa-e-circunstância que existe no Brasil. Os Conselhos Municipais são modestos, e quase sempre voluntários. Por isso, cabe ainda abrir a discussão sobre se os 42 mil vereadores dessas minicidades deveriam ter direito a qualquer tipo de provento, já que sua contribuição às administrações municipais não passa de uma sessão plenária semanal, quase sempre à noite, e eles continuam exercendo suas atividades particulares durante todo o mandato.
Ano
de Eleição é Sempre Mais Difícil
Como pensa um prefeito dessas minicidades, neste ano eleitoral? À frente de seus outros problemas está a reposição salarial dos funcionários, a partir dos 10,67% de inflação de 2015. Os sindicatos dos servidores estão a postos, para exigir reposição integral de salários, regalias e benefícios, além daqueles dirigentes que têm prontas cláusulas de “acréscimo de produtividade” (sic). O prefeito está limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o sindicato não quer conversa.
Como pensa um prefeito dessas minicidades, neste ano eleitoral? À frente de seus outros problemas está a reposição salarial dos funcionários, a partir dos 10,67% de inflação de 2015. Os sindicatos dos servidores estão a postos, para exigir reposição integral de salários, regalias e benefícios, além daqueles dirigentes que têm prontas cláusulas de “acréscimo de produtividade” (sic). O prefeito está limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o sindicato não quer conversa.
A maioria dos
prefeitos tem sobre a mesa notificações dos seus Tribunais de Contas estaduais,
alertando-os sobre exageros em gastos com pessoal. As determinações não mudam:
a ordem geral é para destruir postos de trabalho. “Corte os comissionados,
corte os temporários, acabe com as horas extra”. Um prefeito catarinense levou
a sério a ordem, e demitiu todos os secretários municipais, fazendo os serviços
serem realizados por funcionários comuns.
Eles sabem que, se
as receitas caem, se as transferências são menores, se os repasses demoram a
chegar, isso apenas agrava suas pendências. Em estados com finanças mais
equilibradas – e eles são muito poucos, apenas sete - pequenos financiamentos e
recursos extraordinários, quase sempre do PAC federal, aliviam um pouco a
situação (nos demais, as coisas podem ser bem mais complicadas neste ano
eleitoral). Com softwares cedidos por órgãos
estaduais, as Notas Fiscais Eletrônicas tornaram-se um expediente arrecadador
de ISS comum em todas elas.
Numa cidade de
3.603 habitantes, com nove secretarias municipais, uma folha de pagamento mensal
de R$ 436.692,30 (mais R$ 165.634,38 de um Fundo Municipal de Saúde) e um custo
de vereadores de R$ 43.401,46, cerca de 60 empresas de serviços emitiram em
2015 mais de 5.800 NFes, sempre com alíquotas de ISS a 4% ou 5%, o que garantiu
ao menos o salário do prefeito, do vice e dos secretários municipais. A receita
tributária dessas minicidades quase nunca ultrapassa os 15% de seus orçamentos.
O restante vem de cerca de 40 formas diferentes de repasses federais e
estaduais.
Não há nenhuma
esperança de que os orçamentos das minicidades sejam gordos e fartos em 2016.
Muitos serão até menores do que os de 2015. E este é ano de eleição, com
contribuições eleitorais que – espera-se – serão modestas, porque as empresas
não podem mais ajudar oficialmente.
Escolas
Prá Dar e Vender
Nas minicidades, a administração da Educação Fundamental é, quase sempre, uma área que merece toda a atenção da administração. Numa cidade que escolhemos como amostra, vivem 21,8 mil habitantes com IDH DE 0,754, renda per capita de R$ 17 863,79, com 677 servidores registrados, servida por rodovias estaduais asfaltadas, a menos de 15 quilômetros de uma cidade de maior porte (120 mil pessoas), que pode oferecer todo o complemento de educação do ensino médio e superior necessário à sua população.
Nas minicidades, a administração da Educação Fundamental é, quase sempre, uma área que merece toda a atenção da administração. Numa cidade que escolhemos como amostra, vivem 21,8 mil habitantes com IDH DE 0,754, renda per capita de R$ 17 863,79, com 677 servidores registrados, servida por rodovias estaduais asfaltadas, a menos de 15 quilômetros de uma cidade de maior porte (120 mil pessoas), que pode oferecer todo o complemento de educação do ensino médio e superior necessário à sua população.
São cerca de 2.000
alunos na rede infantil e fundamental, para os quais se criou uma estrutura
cara e sofisticada, com sete unidades infantis e onze escolas municipais,
básicas ou reunidas municipais. São 18 diretores de escola, 18 secretarias
escolares, 18 orientadores pedagógicos, dois maestros (banda e coral), cerca de
120 professores, pelo menos 8 monitores de informática, e equipes completas de
merendeiras, cuidadores e serventes, em número não informado. Destaques: uma
escola tem 39 alunos e 10 funcionários; três escolas funcionam com 50, 150 e
237 alunos apenas; uma escola tem sete salas de aula e 20 funcionários. Cada
uma delas demanda uma estrutura própria, com diretora, secretária, orientadora
pedagógica, merendeira, cuidador, serventes, como um mínimo.
A concentração
desses alunos em menos escolas significaria mais transporte escolar, mas daria
uma economia sensível na estrutura de ensino, com escolas mais bem equipadas e
muito melhor produtividade administrativa. Para completar, a chefia da Secretaria
da Educação da cidade administra uma organização complexa, com muitos
funcionários e custos elevados.
E No
Mundo?
Não se conhece uma pesquisa ampla sobre a organização das cidades em diferentes países do mundo, mas aparece sempre a organização de estados (ou subdivisão equivalente), onde se regionaliza a administração pública e, principalmente, os serviços públicos de atendimento direto ás populações.
Não se conhece uma pesquisa ampla sobre a organização das cidades em diferentes países do mundo, mas aparece sempre a organização de estados (ou subdivisão equivalente), onde se regionaliza a administração pública e, principalmente, os serviços públicos de atendimento direto ás populações.
As cidades mantêm
sempre um administrador (prefeito, alcaide, maire, mayor, you name it)
e organizam conselhos municipais com diferentes formações. Não se observa, em
nenhum deles, a rigidez de organização política da cidade brasileira, nem a
quantidade de parlamentares e comissionados envolvida na administração.
·
Estados Unidos: são mais de 30.000 cidades, reunidas em
condados, onde está a estrutura administrativa mais completa. As cidades
menores são normalmente geridas por um administrador contratado, dispensável
quando não trabalhar direito;
·
Alemanha: há municípios pequenos (Gemeinde) que mantém associações municipais, ou um
grupo de pequenos municípios de um mesmo distrito reunidos numa só
administração, sem direito territorial. Os municípios membros são chamados
de amtsangehörige Gemeinde (singular). Municípios que
não pertencem a um Amt são
chamados de amtsfreie Gemeinde (singular).
·
França: 36.680 villes, com um
prefeito e um conselho municipal, como frações dosarrondissements;
·
Inglaterra: 47 condados. Os condados podem ser definidos para
várias razões. Os condados cerimoniais são definidos pelo governo e a
cada um é designado um Lord-Lieutenant. A
maioria se organiza com um grupo de autoridades locais e frequentemente com
referência geográfica. Nas cidades desses condados, administração é feita por
um mayor e pequenos conselhos municipais.
A
Previdência Arrombada do Servidor
Este é, sem dúvida, um dos pontos mais sensíveis a tratar, no âmbito da governança municipal. Quase certamente estará no âmbito da reforma da Previdência que o governo federal, ao que parece, pretende apresentar a público, em breve. O chamado déficit atuarial previdenciário de estados e municípios já era da ordem de R$ 1,7 trilhão ao final de 2014. Corresponde à diferença entre o que o governo terá de pagar no futuro (o saldo entre os benefícios e as receitas líquidas respectivas, no longo prazo) e os ativos, em valores atuais. Não é pouco!
Este é, sem dúvida, um dos pontos mais sensíveis a tratar, no âmbito da governança municipal. Quase certamente estará no âmbito da reforma da Previdência que o governo federal, ao que parece, pretende apresentar a público, em breve. O chamado déficit atuarial previdenciário de estados e municípios já era da ordem de R$ 1,7 trilhão ao final de 2014. Corresponde à diferença entre o que o governo terá de pagar no futuro (o saldo entre os benefícios e as receitas líquidas respectivas, no longo prazo) e os ativos, em valores atuais. Não é pouco!
O governo federal
está em vias de criar um grande fundo de previdência complementar para
administrar essas aposentadorias e pensões, para a esmagadora maioria de
Estados e Municípios do país – uma fundação de natureza pública, com personalidade
jurídica de direito privado. Até aí, tudo bem. Mas por que não conciliar os
objetivos econômico-financeiros e atuariais desse novo regime com os de efetiva
eficácia de gestão? As informações publicamente
disponíveis são de que tal fundo será administrado pela Caixa Econômica
Federal. Mas o porte financeiro, por si só, para ganhos de escala nas
oportunidades de investimento, não o justifica. Não seria mais razoável
descentralizar a gestão desse novo subsistema previdenciário para cada Estado e
seus respectivos municípios?
É claro que, no
caso das unidades da federação de menor porte, deveria ser incentivada a opção
pela criação de fundos próprios multipatrocinados (reunindo dois ou mais
Estados), por economicidade. A crítica que já deve ser feita é quanto ao óbvio
perigo inerente a uma mudança institucional dessa envergadura - desejável, sem
dúvida, no geral: que a responsabilidade fiscal e a gestão corrente venham a
ficar concentradas em poucas mãos!
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